ÁLBUM DE FAMÍLIA
Álbum de Família pode ser considerada uma evolução natural na temática de Nelson Rodrigues. Depois de mostrar a semi-consciência de Alaíde, em Vestido de Noiva, e o delírio de Sônia, em Valsa nº 6, nada mais natural do que um mergulho no inconsciente primitivo do homem. Em Álbum de Família, Nelson Rodrigues escolheu mostrar o cotidiano de uma família aparentemente comum, formada pelo casal, os quatro filhos e a tia solteirona. A normalidade do clã, porém, logo é desmistificado para o público. Não há uma única personagem que não perca sua máscara em algum momento da peça.
O incesto, grande tabu da humanidade, aparece aqui como uma das personagens principais. Glória, a filha, é apaixonada pelo pai; Edmundo, o filho, é apaixonado pela mãe; Guilherme, o primogênito, castrou-se para não ameaçar a virgindade da irmã, por quem ainda é apaixonado; Jonas, o pai, compensa o amor irrealizável pela filha desvirginando meninas de 12 a 16 anos na própria casa; Dona Senhorinha, a mãe, é apaixonada pelo filho Nonô, louco que vive pelado pelos arredores da fazenda. Álbum de Família é, antes de tudo, uma peça freudiana. Nela aparecem típicos personagens de Freud, como Édipo, o garoto que se casa com a mãe, e Electra, a menina que não consegue superar seu amor pelo pai.
Neste contexto, não existe a mínima possibilidade de as personagens de Álbum de Família parecerem pessoas comuns. Representando arquétipos da psicologia, elas simbolizam idéias como o impulso natural ao incesto, a paixão carnal entre irmãos, a sexualidade instintiva e a frigidez. Extremamente ousada para a época, a peça inaugurou um novo filão na dramaturgia de Nelson Rodrigues: o teatro desagradável. Aterrorizada com “a torpeza, a incapacidade literária, a falta de nobreza, o sacrilégio e a imoralidade”, a censura do governo getulista segurou o texto e não liberou nem sob protestos de vários intelectuais da época. Manuel Bandeira, já considerado um dos melhores poetas do Brasil, saiu em defesa de Nelson Rodrigues com um artigo onde garantia que o autor de Álbum de Família era, de longe, o maior poeta dramático que já apareceu na literatura brasileira.